Tudo acontece e nada muda.
Todas as religiões têm um teor “sadomasô” em seu simbolismo, que muitas vezes tornam-se explícitas, e o Mel Gibson está aí para não me deixar mentir. A crucificação e o jejum, por exemplo, são fragmentos desse “caminho espinhoso” que tanto conforta os corações e purifica as almas dos ditos adeptos do cristianismo e de outros seguimentos espirituais.
Com base na idéia de que a castração e o sofrimento físico lapidam a alma, podemos entender porque o catolicismo condena a fornicação, a masturbação, o uso de preservativos e drogas que anulam a concepção, incluindo o aborto e a eutanásia a esta lista.
Qualquer maníaco nos Estados Unidos da América que é condenado à morte acaba sendo executado na maioria das vezes de forma rápida e praticamente indolor, dependendo obviamente das leis de cada estado. Injetam-se em suas veias, quantidades pesadas de drogas que o entorpecem suficientemente antes da dose letal que o matará.
No entanto, batendo na tecla dos clichês que compõem o paradoxo da mentalidade humana, tivemos no mesmo país o caso da mulher que durante quinze anos foi mantida viva em estado vegetativo e recebeu legalmente o direito à eutanásia, mas contrariamente ao exemplo do preso condenado, ela leva cerca de duas semanas para morrer, devido a não autorização do desligamento de todos os aparelhos que a mantinham respirando.
O político norte americano que estendeu sua mão “liberal” e aprovou a eutanásia, ao mesmo tempo, com a mão “conservadora” colocou um empecilho que transcende um grau de perversidade que o próprio Sade gostaria de ter imaginado, pois apenas o desligamento do tubo de alimentação foi autorizado e a americana morre semanas depois por inanição.
Nos dois casos, a religião esteve presente. Tanto o preso quanto a mulher recebem de um religioso a extrema unção, e lembremos com agravamento e ironia, que o último desejo reservado a um condenado à morte é a sua última refeição.
O Papa João Paulo II também teve sentenciada sua “eutanásia metafórica”, semelhante a mulher americana, já que a fome também colaborou como operária da morte, devido à traqueotomia aplicada. Anteriormente ao desfecho, João Paulo II pensou na possibilidade de renunciar, devido o agravamento da sua doença que claramente o incapacitava de exercer o cargo de pontífice. No entanto, renunciando, o então líder dos católicos viveria o resto de seus dias numa espécie de hospital-mosteiro na Polônia, sua terra natal. Isso ocasionaria, de forma inédita, uma condição de dois Papas vivos no mundo, e com a extrema popularidade de João Paulo II, o novo Papa correria sério risco de permanecer à sombra do líder moribundo, modificando o foco de toda euforia coletiva que os rituais de morte e posse trouxeram aos olhos do mundo. Foco esse que se transformou num excelente material publicitário para uma religião que vem perdendo adeptos nas últimas décadas.
Bem, tirando a China e a Coréia do Norte que literalmente deram nos ombros com esse acontecimento, já que esses dois países nunca admitiram o “ósculo papal” em seus respectivos solos, o resto do mundo aproveitou a equação perfeita para se promover, ou seja, religião+política+imprensa+aglomeração de gente sensivelmente propícia a futilidades.
Estavam lá, lado a lado, orando, Clinton e Bush, dois presidentes de um país onde predomina-se a religião protestante, bem ali ao norte da América, vizinhos do México que tanto menosprezam, e que por sua vez, esses hermanos cucarachas detém a maior quantidade de católicos num mesmo país, cerca de 96% da população. No entanto, estavam lá, talvez rezassem pelos mexicanos, quem sabe?
Entre outros espertalhões da política, também marcamos presença, representados pelas lideranças do nosso país que pensaram em todos os detalhes da nossa participação ecumênica nas pompas fúnebres do Papa. Tais preparativos remeteram minha memória ao ridículo dia em que Central do Brasil foi à cerimônia de entrega do Oscar, só que dessa vez, o palco estava à sombra das bandeiras amarelas do Vaticano a meio pau, e à cara de cera do Papa morto. Essas ocasiões trazem à tona a impressão desagradável de que o brasileiro vai a qualquer momento escancarar seus estigmas de matutos, que gosto de classificar como “A Família Mazaropi hospedada no Copacabana Palace”.
É claro que tinha que ser acompanhada de fatos senão patéticos, pelo menos inusitados.
Além do Presidente da República e a primeira dama, foram estrategicamente convidados ícones políticos e líderes de outras religiões: um padre, um rabino, uma mãe de santo que, pasmem, perdeu o vôo, um ex-presidente metido a poeta e um ateu!!!
Eu poderia encerrar o texto nesse momento, colocando uma sirene vermelha no teto do avião e deixá-lo seguir para a penitenciária mais próxima, ou melhor, para o antigo lar de Papillon, no entanto, o caso do ateu faz com que me estenda um pouco mais.
É verdade, um ateu, e quem diria?
A imprensa nacional não quis revelar esse detalhe tão peculiar para a ocasião, mas a presença do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso no evento, nos tornou a única delegação que foi ao enterro de um Papa levando um ateu.
Estou tentando me conter de inspirações sarcásticas, agnósticas e niilistas, mas essas coisas que fariam Martinho Lutero remexer-se no túmulo, e arrancariam insanas gargalhadas do criador de Zaratustra, só acontecem com brasileiros.
Mas, voltando a eterna discussão entre conservadores e liberais, bem e mal, céu e inferno, Apolo e Dioniso, quem tomou posse do trono vago foi o conterrâneo do já citado Lutero, rebatizado de Bento XVI, considerado conservador, mas, como todo bom alemão é chegado numa cervejinha. Bebida essa tão popular entre nós, mas que, foram os oportunistas germânicos que criaram uma edição especial trazendo no rótulo a imagem do ex-cardeal beberrão acompanhada do slogan: “A Cerveja do Papa”. Obviamente isso arrancou alguns Euros do bolso dos turistas que resistiram menos à tentação da cevada.
Em Roma também fervilhou a venda de toda natureza de penduricalhos e balangandãs mórbidos, de chaveiros e santinhos, a bandeirinhas e pequenas réplicas da basílica, devoradas pelos fiéis que se acotovelavam insaciáveis, e que, sem dúvida jamais refletiram um minuto em suas vidas sobre as Cruzadas, os Cavaleiros Templários, a Inquisição (aliás, ainda em tempo, Joseph Ratzinger, quando Cardeal era prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, órgão ortodoxo, antigo Tribunal da Inquisição), o apoio ao Nazismo, a origem de todo ouro que reveste boa parte das construções do Vaticano e à nossa personagem feminina que morreu de fome no começo deste texto.
Certa vez, Maradona disse que o Papa chegou à Argentina, beijou o chão e ao ir embora não havia deixado por lá nada mais que isso, e concluindo a filosofia do ex-craque argentino, toda religião promete a seus seguidores que após a morte, dependendo da sua conduta em vida, haverá o deleite de um paraíso, ou o sofrimento de um inferno à sua espera, uma espécie de Matrix espiritual. Só que nesse caso nunca teremos a oportunidade da escolha que teve Keanu Reeves, nenhum representante de Deus ou do Diabo, nos ofereceu a opção da pílula azul.
Resta-nos o Viagra.
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